Cezzane |
Um pedido. Que as palavras, hoje, não
signifiquem. Apenas sejam. Apenas toquem. Sem qualquer temor com os clichês,
preocupação com a forma. Sem mensagens subliminares. Só mensagens. Sem
engenharias mirabolantes, só palavras. Emprestadas do universo, organizadas no
papel, ainda que em desordem. Palavras que se façam à partir do pensamento mais
primário, mais isento das turbulências do mundo lá fora, mais genuíno. Daquele
que talvez nem Buda tenha sido capaz.
Mas hoje, que se faça um milagre, e a vida
só seja. Intensa. Inteira. Apenas exista. Descomplicada, mesmo sem a elegância
que se desejaria, assim crua e desarrumada como ao levantar-se da cama pela
manhã.
Livre. Ainda que para tal liberdade seja
necessário sentir-se presa. A um sentimento, um pensamento, ao papel. Porque as
palavras somente libertam-se quando presas ao papel, ensanguentadas de tinta,
dependentes de seu interlocutor.
Então que seja ele, hoje, a somente ser.
Inteiro. Intenso. E capaz do olhar antes do olhar. Apenas lá. Prevendo,
predestinado, observando, agudo, preciso, presente.
Um presente. Mais um ano num amontoado de
anos mal vividos em amontoadas palavras ainda não apreendidas. Tanto a se
fazer, tão pouco tempo dada a infinidade já perdida até aqui.
Que hoje, à partir de hoje, as palavras pululem
e apenas sejam, e possam assim ensanguentar de vida seu interlocutor, que possa
assim olhar. Olhar-se. E ainda que não se conheça, deixar-se. Só de viver. Só
de existir. Somente.