domingo, 6 de abril de 2014

Sobre a morte de Clarisse

Hovsep Pushman

Clarisse me oprimia. Jeito de menear a cabeça me dando de ombros, queixo em riste. Olhos atentos que me ignoravam na intenção de me ignorar.
 
Clarisse me irritava, jeitinho de fragilidade, cheia de mãos gesticuladas à exaustão, caras e bocas que não revelavam palavras, apenas sombras de malícias num francês sustentado a muletas.

Clarisse me entristecia. Mania de atropelar sentimentos, palavras, idades, meu cachorro. Eu nunca a perdoei por isso.

Clarisse me dizia, se fazia, se gabava. Boa moça, boa família, boa conta bancária. Boa vadia, eu completava em pensamento.

Clarisse me descrevia. Gostava de escrever. Dizia ter o dom das entrelinhas, nascido com ele. Piada! Enquanto no papel difamava a mim mesma,  a ela mesma, a nós. Identidade insuportável. Coincidência de reflexos, apenas isto. Um espelho. Mas a farsante sempre foi ela.

Clarisse morria aos 27, porque assim era mais justo, e tinha Bach como trilha sonora. Empréstimo meu. Foi a mãe dela que pediu. Era seu último desejo. Meu maior desejo. Jesus Alegria dos Homens, e minha também. Justifiquei minha ausência: ”É que velórios me causam mal estar, uma espécie de pânico”. Simulei uma lágrima, a abracei convicta, “Meus pêsames”.