Mostrando postagens com marcador Homenagens. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Homenagens. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Dos meus anarquistas

Leonardo da Vinci, Uffizi, Florence
Dela me despedi em sonho. Fui até lá. A abracei e beijei. Incansável. Implorado. Não me deixasse para atrás. É que ele já tinha ido. Ela sorriu. Eu acordei. E fugida de seus lábios refugiei-me entre palavras. Descobri então, que sorriso também é palavra. Ela saiu corrida ao encontro dele. Tinha que ser assim.
Saídos. Ela e ele. Mãe e filho. Avó e pai. A batida de porta ecoou tempos na casa vazia que de engraçada nada mais tinha. Sem janela, sem parede, sem teto, sem rumo, sem chão.
Reparei um bilhete, logo ali, na fresta da porta. Era para mim. "Non piangere bambina. Vivi la vita, scrivi la tua verità. Mai ti dimentica che sei un'anarchica."
Mas era apenas o vizinho dando condolências pelo luto.
É dessa saudade inteirada... Dos meus anarquistas, graças a Deus

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O fim e o começo

"O fim e o começo" - Museu Lasar Segall
... A porta destrancada autorizava-me entrar sem bater. A bichana da família, inquieta enroscava-me os tornozelos, pressentia, miava como que querendo dizer... O que eu há muito já sabia, antes mesmo de chegar lá. Deparei-me com ele de pé no final do corredor. Ainda estava de cuecas. Me olhava. E na sombra da noite que já se ia, tive a impressão de algo em sua mão. Ele parecia menor do que de costume. Mais indefeso que de costume.
Dele, não me despedi. Auto-piedade.
Desviados olhos da linha contínua que apitava na pequena tela, baixei a cabeça e me dei conta do saquinho em sua mão. Coberto de nódoas; das balas apodrecidas pelo tempo. Ele, somente 65, liquefeito em sangue, renascia em corpo de menimo. Voltava para o banco da sala de embarque, de onde nunca havia saído. Ia esperar por ela.

Era uma vez...



Gustav Klimt
Um aeroporto. Uma despedida. Ela, em tempos perigosos, decidira navegar pelos mares do bravio  comunismo. Ele, apenas 5, carregava na mão um saquinho de balas, porque os de 5 adoram comer balas! Mas aquelas eram especiais. Para ela. Dono de tamanha força de vontade prometera a si,"dessas não como nenhuma". E ela, de mãos ocupadas esqueceu de pegar. Hora de embarcar. Nela, os olhos hesitavam, as pernas decididas. Tinha de ser assim. Ele, que de imitar alguém, acenava para ela com a mãozinha que estava vazia. Nada entendia daquele adeus. Era a tentativa derradeira de entregar os doces à mãe. Mas ela se ia. Levaram-no. E foi no justo momento em que ela chorava escondido que ele de não ver, crescia na culpa e na ignorância daquelas lágrimas.