...e ele, sentado no banquinho empoeirado, na beira da estrada. Vendia bananas na carroça de boi improvisada de banca. No horizonte só se via azul e paisagem, borrada de uma névoa que perdurava mesmo no meio-dia. E foi de calor que ele tirou o chapéu de palha e começou a se abanar. Do nada, de uma brisa boba, foi que ouviu alguém dizer seu nome, e ele soube que era Deus, olhou pra cima e respondeu:
- É o senhor, Deus? Pois é com o senhor que eu falo e rezo... Não se apegue às minhas palavras meio assim sem feitura, mas o que falo é do meu mais sincero pensar...
Brisa boa veio de encontro, e bastou para satisfazer o rapaz de traços envelhecidos, e lhe dar a certeza de que Deus o ouvia:
- É que eu preciso entender do seu pretender, digo, o porquê desse povo todo vivendo no sofrimento da alma. Explico: é que pros lados de cá a guerra come solta, gente que era de bem, armada até os dentes, armada de uma fala preta pesada, feia mesmo... Gente que se engalfinha com gente... e de ódio em ódio vão se matando, na alma, no sentir, que era o mais puro, nem o laço, o do sangue, dado pelo senhor, é motivo de apaziguamento e compreensão. E sabe o que mais aflige o meu pensar? Depois de uma batalha, ninguém tá feliz, ninguém sabe da felicidade. E a gente, que fica só de vigiar os corações, vê assim: tudo apertado, de dor, de culpa ou do tal orgulho ferido... Eu tenho pra mim que o inventor do orgulho é o capeta, coisa feita mesmo, e é pra atentar que depois ele sopra no nosso ouvido essa história de que o outro pode ser de mais importância que a gente, aí sabe como é, sobe feito foguete o arrepio que amolece a espinha e não tem mais pensar ou (des)pensar que segure o sangue que cega as vistas... Aliás é de não querer ver mais tanta tristeza que elas me têm falhado, será senhor Deus? E se for ele? O capeta? Dizem as más línguas que o capeta é o homem de voz forte e encantadora como as serpentes, é uma voz que seduz e de consumir o nosso sincero querer faz a gente querer outra coisa, a coisa que ele quer. Mas e o que ele quer? O senhor Deus pode perguntar: E eu amigo do senhor que sou, de sobreaviso lhe deixo: Ele quer o seu lugar! Dizem que ele é da feitiçaria: dessa que faz a gente repetir o sinal da cruz seguido, três vezes, que é pra dá proteção e tirar a imagem do pensamento. Ouvi que ele mente a verdade e (des)conta o conto tudo de novo se for do benefício dele. E aí eu é que fico aqui só de perguntar: e o que será dessa terra de gente que no entardecer da vida quer mesmo é ter encontrado a felicidade... Explica pra mim senhor Deus?
Dessa vez não havia brisa, em vez disso parou um carro, o motorista queria saber das bananas, comprou meia dúzia, antes de arrancar disse:
- O tempo está mudando, acho que vem tempestade por aí, melhor se abrigar
O sertanejo olhou pro céu, achou melhor seguir o conselho do moço, porque o azul já acinzentava mais rápido que o normal, recolheu a mercadoria arrumando cada cacho com muito zelo que era pra não danificar as bananas ainda pensou no cheiro da torta de banana que a mãe faria para aproveitar o que não tinha sido vendido, sentou-se então na carroça, olhou mais uma vez pro céu e disse:
- É senhor Deus, desses mistérios que o senhor escondeu entre o céu e a terra, que eu quero ouvir e vou pia jurado: guardo seu segredo, vou ser aprendiz do bem viver, da sua poesia. E de lavar a terra a água despenca das nuvens mais escurecidas, mas amanhã o sol há de brilha lá na quina da montanha, aí fica tudo sequinho, o mato verde, o céu azul e quando a brisa bater vou saber que é o senhor.
E transformada a paisagem em noite ainda de dia, o rapaz na carroça de boi já quase desaparecia no encontro da terra com o horizonte.