segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

 

Erza Pearl


Uma coisa é certa. E triste. A dureza do chão me esvazia, me desampara. Na hostilidade, perco a mão, o rumo, já não sei criar. São esses ventos monotemáticos que bagunçam os meus cabelos, me impedem a visão. São essas músicas monocromáticas que apenas sacolejam e nada dizem, nada para mim. 

Nessa sensação alienígena sigo, estrangeira, em busca de iguais. E descubro que tudo tem um preço. Acontece que nos bolsos somente carrego esperança e boas palavras, moedas de troca, nunca as tive.

Sou crédula da arte que vem do universo e para ele retorna, em formatos diversos, todos encantadores. É que desse encanto que agora insiste, eu não canto, não acerto o passo, não vendo a alma. Por isso resto assim: penada 

Espero o momento de retornar, e poder pisar a dureza com os pés fincados nas nuvens que compõem a minha criação. Por isso, isso: acendo e apago como um vagalume, que sabe o que é ser um vagalume.



sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Exorcismo

 


Jaroslaw Jasnikowski


É desse jeito: Como tivessem me tirado algo de dentro, e colocado no lugar o que não identifico mais remexe, sinto. 

Um bicho, uma decepção, coisa assim: indescritível e insistente. Um vento quente mas que não esquenta. 

Um nada que toma espaço, rouba tempo, aporrinha. Aí leio poesia para poder dar nome ao bicho. "Vade retro Satana"!! 

Pratico meu latim, me pego de volta. Devolvo-me ao que era, agora melhorado, Corpo fechado. É vida que segue.


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

 

Andrew Atroshenko


Sob o céu violeta de estrelas, por um momento sou melodia, sou corpo, sou mar. A gravidade me mantém. Grand Jeté entrelacé, é o voo que liberta, me carrega de volta. Posé pas de bourrée glissade saut cheval e busco no infinito as mãos que me conduzem. Sou ar. Livre do peso da existência que se escolhe sem se escolher. Movimentos em harmonia, valsa, ondas que se desfazem gentis na areia. Sou inteira. Flutuo, giro, abraço. Tão sereno é o andar. Ah! Se eu pudesse só ser dança, se eu pudesse só ser mar! Mas sou as pegadas na areia que morrem e renascem a cada novo passo. O tempo não existe. Tudo é espaço. De olhos fechados o corpo se curva, suave se alonga, outra onda, e outra… no ritmo do vento, enquanto a música soprar e meu corpo me pertencer. Sou melodia, sou noite, sou dia, sou sina, sou parte de Deus.


quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Das incongruências

Michael Cheval 


Quando penso a paz mundial, me parece tão possível! Abdicar pelo outro, olhar nos olhos do outro e reconhecê-lo como ser humano, para unirem-se todos em prol de um mesmo ideal: a felicidade plena.


Já quando me perguntam sobre paz interior, aquela do espírito, eu logo me deixo num suspiro longo… Complexo demais, tão individual! É uma verdadeira batalha enredada: expulsar de dentro de você, o você, que não funciona.


quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Realidade Cinza chumbo

 



Se não me sobra tempo, se me falta inspiração, seja porque ultimamente tenho me ocupado demais da vida alheia. De uns que sei nome, de outros que sei rosto. Tudo muito aleatório. Outros que nem conheço. 


E tratar do que não é meu, tem me jogado de cara no chão de uma realidade endurecida e pessimista. É, o mundo anda pessimista. De uma maneira geral e também individual. As pessoas têm brigado demais. De uma discussão que não se quer ter fim. Quando parece que vai amainar, lá vem madeira para robustecer o fogo que já está fora de controle. 


Eu fico só de observar a fumaça que resulta desse diz que me diz, dessa medição de forças, inútil: vapores escurecidos que minam pelos poros, ouvidos, boca, olhos. As palavras mal tocam o ar e esfumaçam como fossem jogadas em ácido. A coisa vai num crescente até que tudo fica tomado dessa névoa espessa. Cinza chumbo. E quando todo mundo acha que foi o tempo que nublou. Não foi não. É só a massa densa formada pelo ódio excretado. E aí a gente descobre que o ódio tem cor, se toca. O ódio sufoca. Às vezes penso que essa falta de ar horrorosa possa ser o ódio que consome todo o oxigênio do ar e polui mais que monóxido de carbono. Será?


A verdade é, que vindo minha inspiração de lá, do céu, ou cá de dentro, preciso estar a salvo dessa poluição tóxica. Seria isso um egoísmo meu? Não bestializar-me? Simplesmente tapar boca, nariz e ouvidos? Normalmente a dor do outro também me dói, mas não sou santa, e algumas cegueiras me provocam, algumas insistências em temas recorrentes também me amofinam. E quando entro nessa ferocidade me dou conta de que estou ocupada demais da vida alheia. Se o outro me indispõe, é claro que, o que não era meu, peguei para mim. Não há interlocutor que possa ser responsável por minhas feras interiores. Faço escolhas.


Hoje o céu está azul claro, estou achando que o amor, ao menos hoje, deu a volta por cima!


sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Meditações

 

                                        Russell Discombe -  'deep sky' objects some up to 50 million light-years away.



Mergulho no universo. Oceano eterno de estrelas. Deixo-me alar… Agora faço parte de tudo o que é. Simplesmente sou. 

Vivo dos silêncios que me preenchem, assisto o mundo, penso filosofias, jornadeio esperanças.

Estou livre do espaço e do tempo. Sou eletricidade e magnetismo, muito além da velocidade da luz. Sou colapso. Sou dia e sou noite. Sou sempre. A totalidade está aqui, me acaricia, me abraça. 

É quando me visto de infinito para falar com Deus. Mas Deus não existe. Deus é. Deus está. Deus sou. Deus uno. Apenas Deus.

E tomada por esse novo esplendor que estou, crio, sorrio. Dedilho notas de poesias, danço músicas em verso. De repente sou valsa. Transmuto escuridões, instantânea e incandescente, sou luz.

domingo, 1 de agosto de 2021

Sobre ser

 

Salvador Dali


É chegado o juízo final. De juiz passo a réu. Não sofro metamorfoses, é apenas o peso que recai sobre mim. Gravidades. Dos tempos do impensado. Quando eram erros alheios meus acertos. Quando amargores em outras bocas eram minhas vitórias. Quando guerra no peito do meu irmão era a minha paz. O mundo é injusto? Ou eu, que via minhas, as belas paisagens, ainda que estivesse cega. Via verdades, ainda que os olhos não fossem meus?

É tempo de aceitar e recolher deuses e demônios que vivem dentro de mim, em mim. Porque sou céu e sou inferno. Vivo no limiar. O véu que me divide entre real e ilusão, está logo ali, depois do juízo final, ultrapassada as reminiscências, além.

Se agora ganho olhos, se ganho asas, não é absolvição. Se escorro lágrimas e pesares, não é condenação.

É simplesmente a possibilidade de me sentir, de me seguir, para finalmente. Ser.


sexta-feira, 23 de julho de 2021

Lugar Ideal



Salvador Dali





Atravessei mares, cordilheiras e invernos, visitei abismos, castelos de areia, infernos. Para chegar exatamente neste lugar. O ponto de partida. 

Arrastei feridas, perplexidades e correntes que só me fizeram pesar a caminhada. Ah! ceguei vezes demais! Desatenta das coisas mais importantes… E foram-me dados sinais demais... Foram tropeços demais, amores errados demais, advérbios à exaustão. 

Aqui, neste lugar, não é céu mas pode perfeitamente ser azul. Pode perfeitamente ser poesia. Se antes o movimento era marcado no ritmo do relógio, agora transcende o tempo para descobrir o espaço infinito. Constante. 

Aqui, tudo e nada se completam. O amor transborda e inunda oceanos. Aqui a liberdade é diferente. É livre! Aqui, palavras e sentimentos são tangíveis, nós, não. Aqui, os ouvidos ouvem, a boca está em paz. Aqui, a solidão é feita de silêncios que acolhem. 

Aqui, é simplesmente o agora. Simplesmente agora.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

O Romance

 

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Sinópse

Uma relação obsessiva. Um triângulo amoroso. O verdadeiro amor. O amor pela liberdade... A carta a ser entregue pessoalmente à Yolanda, marcará o tão aguardado e ao mesmo tempo temido embate entre as amigas. Nada mais poderá mudar o destino fadado de Antonella.

Segunda-feira de madrugada,1986, Antonella invade sorrateiramente a biblioteca de Yolanda em busca de um livro que deseja recuperar. As duas são vizinhas desde a infância e a proximidade das famílias obrigou-as à convivência, fazendo surgir um vínculo afetivo parecido ao de duas irmãs. Antonella, apenas dois anos mais nova do que Yolanda, ganhou Primeiras histórias, de Guimarães Rosa, no seu aniversário de 30 anos, em 1962, como presente de Otávio. Esse é o livro que marca definitivamente a relação doentia entre Antonella, Yolanda e Otávio... Mas tudo não passa de uma cilada, as capas trocadas dos livros, e o que Antonella tem nas mãos é apenas o diário infame de Yolanda, cheio de provocações e revelações.

Esse é o gatilho que dispara na mente ora exata ora confusa de Antonella, a sede de vingança, e conseguir de volta tudo que dela foi roubado por toda a vida, agora é questão de honra. Ela está doente e de repente a sensação da finitude a invade e ela mergulha em reminiscências. Somos levados então através dos cômodos da casa cheia de lembranças, e para o passado acronológico, tendo como pano de fundo a história política e social do Brasil e do mundo, que vai dos anos 30 até 1986. É nesse contexto que conheceremos a historia de imigrantes anarquistas italianos e espanhóis, fugidos do fascismo. Histórias de judeus fugidos do nazismo, e a luta de todos eles pela liberdade. Porém é Antonella a única refém: de seus fantasmas. Ela nos levará através de sua crescente insanidade a um jogo de verdades, versões e verdades inventadas rumo a um final que nos deixará nada menos do que perplexos.