Era uma vez…
Um povo amaldiçoado. Que nasceu para ser trincheira ou nasceu para matar. A liberdade para eles já não cabia em seu significado mais urgente. Uma gente que pouco se sabia feliz ou infeliz. Um deserto em tempestade de areia.
As crianças nasciam velhas, os brinquedos eram quase sempre de guerra. Os homens, infantilizados, não cresciam. As mulheres choravam grande parte da vida. Lugar único, onde conflitos nasciam de fora para dentro. Tantas histórias contadas, tantas versões… E de repente mocinho e vilão se fundiam no mesmo ser, vítimas em profunda dor e fome, algozes destilando suas patologias.
Não havia respostas simples, soluções fáceis, liberdade possível, não as que se gostariam. Aprisionados no passado. As correntes arrastadas por milênios não podiam ser quebradas assim com uma filosofia vã, onde ideias absolutas desejassem se impor justificando a defesa de crenças absolutas. Era tirania em demasia.
Determinado momento tudo foi se confundindo, e o que era só sobre a dor humana e seus espaços, desavenças de décadas, transformava-se agora, em armas de uma guerra psicológica, ideológica, como sempre, por poder. Um jogo de cartas marcadas. Um evento de reverberação mundial que arriscava consequência nefasta: e fazer emergir cenas pavorosas de perseguições que aconteceram lá atrás. Um capítulo que este mundo não deveria nunca mais querer revisitar.
Enquanto isso…
Do outro lado do planeta, do ápice da montanha mais alta, descia o andarilho entre florestas e belas paisagens. Quase um dom Quixote não fosse ele um domador de sua própria consciência, em profunda sanidade, um homem invulgar e errante em busca de pisar novas terras, culturas e aventuras, assim, só de viver.
Alcançada cidade grande, o homem percebeu-se caminhando em círculos, terras baixas mas de ar rarefeito, de um pesado respirar. Lavou o rosto na fonte de uma praça qualquer e percebeu que ventos bélicos o cegavam e confundiam. Agora de olhos despertos notou que por onde passava só via grandes multidões digladiando, puxavam de lá e de cá, palavras de ordem, violência verbal, às vezes física também. Farto da densidade que lhe oprimia o peito, decidiu colocar-se perigosamente no centro do cabo de guerra.
Tentou mostrar que era preciso dissipar o ódio para poder novamente respirar, enxergar com clareza, então seguir novos e diferentes rumos. “É preciso ser a paz que se quer ver no mundo. A paz é também o silêncio que observa sem julgamentos, que aprende as duras lições ainda que às custas da ignorância de outrem. Mas produzir mais destruição é loucura, não percebem? Acordem!” Ele num misto de exaltação e desespero, foi massacrado. Entre chutes e socos restava ali, caído ao chão poeirento, sozinho. O equívoco era grande demais.
Um dia onde o sol brilhava quente e seco de produzir miragens no horizonte, e foi como numa aparição que ele sentiu algumas mãos que o ajudavam a se levantar. O grupo queria saber se estava bem. Foi aí que ele entendeu daquele mundo plural que tinha ouvido falar. Onde também havia sabedoria, amor, solidariedade, e pessoas que genuinamente torciam para que tudo ficasse bem, simplesmente guardando silêncios e vivendo suas melhores versões.
Alguém então lhe disse: Fique tranquilo, qualquer momento é momento de renascer para o agora e despedir-se definitivamente do passado, abandonar o baralho de cartas para abraçar o mundo como fosse um abraço amoroso em nossas próprias mães. Esse é o caminho que leva até a paz e à liberdade. Um dia eles vão perceber.
Um tapinha amistoso nas costas, o grupo seguiu, o andarilho ainda ali, batia a poeira da roupa, juntava os cacarecos caídos da mochila, recolocava-a nas costas, se recompondo na alma, pensando naquilo que acabara de ouvir.
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