sábado, 7 de junho de 2025

Conversa com Deus

 


...e ele, sentado no banquinho empoeirado, na beira da estrada. Vendia bananas na carroça de boi improvisada de banca. No horizonte só se via azul e paisagem, borrada de uma névoa que perdurava mesmo no meio-dia. E foi de calor que ele tirou o chapéu de palha e começou a se abanar. Do nada, de uma brisa boba, foi que ouviu alguém dizer seu nome, e ele soube que era Deus, olhou pra cima e respondeu:

 

- É o senhor, Deus? Pois é com o senhor que eu falo e rezo... Não se apegue às minhas palavras meio assim sem feitura, mas o que falo é do meu mais sincero pensar...

 

Brisa boa veio de encontro, e bastou para satisfazer o rapaz de traços envelhecidos, e lhe dar a certeza de que Deus o ouvia:

 

- É que eu preciso entender do seu pretender, digo, o porquê desse povo todo vivendo no sofrimento da alma. Explico: é que pros lados de cá a guerra come solta, gente que era de bem, armada até os dentes, armada de uma fala preta pesada, feia mesmo... Gente que se engalfinha com gente... e de ódio em ódio vão se matando, na alma, no sentir, que era o mais puro, nem o laço, o do sangue, dado pelo senhor, é motivo de apaziguamento e compreensão. E sabe o que mais aflige o meu pensar? Depois de uma batalha, ninguém tá feliz, ninguém sabe da felicidade. E a gente, que fica só de vigiar os corações, vê assim: tudo apertado, de dor, de culpa ou do tal orgulho ferido...  Eu tenho pra mim que o inventor do orgulho é o capeta, coisa feita mesmo, e é pra atentar que depois ele sopra no nosso ouvido essa história de que o outro pode ser de mais importância que a gente, aí sabe como é, sobe feito foguete o arrepio que amolece a espinha e não tem mais pensar ou (des)pensar que segure o sangue que cega as vistas... Aliás é de não querer ver mais tanta tristeza que elas me têm falhado, será senhor Deus? E se for ele? O capeta? Dizem as más línguas que o capeta é o homem de voz forte e encantadora como as serpentes, é uma voz que seduz e de consumir o nosso sincero querer faz a gente querer outra coisa, a coisa que ele quer. Mas e o que ele quer? O senhor Deus pode perguntar: E eu amigo do senhor que sou, de sobreaviso lhe deixo: Ele quer o seu lugar! Dizem que ele é da feitiçaria: dessa que faz a gente repetir o sinal da cruz seguido, três vezes, que é pra dá proteção e tirar a imagem do pensamento. Ouvi que ele mente a verdade e (des)conta o conto tudo de novo se for do benefício dele.  E aí eu é que fico aqui só de perguntar: e o que será dessa terra de gente que no entardecer da vida quer mesmo é ter encontrado a felicidade... Explica pra mim senhor Deus?

 

Dessa vez não havia brisa, em vez disso parou um carro, o motorista queria saber das bananas, comprou meia dúzia, antes de arrancar disse:

 

- O tempo está mudando, acho que vem tempestade por aí, melhor se abrigar

 

O sertanejo olhou pro céu, achou melhor seguir o conselho do moço, porque o azul já acinzentava mais rápido que o normal, recolheu a mercadoria arrumando cada cacho com muito zelo que era pra não danificar as bananas ainda pensou no cheiro da torta de banana que a mãe faria para aproveitar o que não tinha sido vendido, sentou-se então na carroça, olhou mais uma vez pro céu e disse:

 

- É senhor Deus, desses mistérios que o senhor escondeu entre o céu e a terra, que eu quero ouvir e vou pia jurado: guardo seu segredo, vou ser aprendiz do bem viver, da sua poesia. E de lavar a terra a água despenca das nuvens mais escurecidas, mas amanhã o sol há de brilha lá na quina da montanha, aí fica tudo sequinho, o mato verde, o céu azul e quando a brisa bater vou saber que é o senhor.

 

E transformada a paisagem em noite ainda de dia, o rapaz na carroça de boi já quase desaparecia no encontro da terra com o horizonte.


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