terça-feira, 16 de setembro de 2025

Reflexões entre o céu e o mar








Anoitece meu corpo, reintegro-me ao ar

Vejo os mistérios todos, entre o céu e o mar

Mas nem todo mistério se quer desvendar


A tristeza acende e apaga, colorido que mata

E do preto ao branco, não resta mais nada

Escombros são os seres que perambulam

Em plena agonia e certeza 

da mente que apaga a beleza, acende a crueza…


Cadê a poesia?

Mas se a dor e a alegria, a paz e a guerra

As bombas e os beijos, o amor e o desprezo

O ódio e a compaixão, 

São antagonistas que dadas as mãos 

se completam À destruição?


São círculos com arestas, quadrados que não tem lados

Palavras cheias de frestas, nos dentes encalacrados

Ódio do bem. Bem do mal

Trocadilhos dementados 

Que definem o que é real?


Mistérios de um adoecimento, 

trazidos do Norte Ou seria do Sul? 

Ou seria de dentro, ou seria do vento?


Só de observar. Observo. Abafo os sentidos

Numa terra de olhos e ouvidos, 

a cura está na ausência, 

Nos cantos infinitos dos corpos anoitecidos

No escuro estrelado da inocência.


Mas se a inocência é um dos mistérios que se perdeu

E que apenas nos restam olhos e dentes 

Recorro às fábulas e ao espelho espelho meu

Que me diga se o vilão sou eu, então 

Arranquem-me os olhos, a mente

Me deixem o coração somente.


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

O livro e o continente

 



Estar com um livro na mão 

É sempre minha chance, um caminho

Uma nova versão 

De mim mesma

E conhecer meus obtusos,

Reconhecer meus intrusos, 

Convidados pelas frestas deixadas pelos medos meus

Do mundo. Assustador mundo que só existe

Porque antes o criei

Assim do jeitinho que ele se apresenta

Me abre, me entra

Meu palco, meu monólogo

Minha chatice cansada

Minhas ilusões, meu tudo e meu nada.

Meu parque de diversões, meu pronome possessivo

Lugar onde habito,

Onde eu e minha personagem se fundem, se perdem

Se inundam de dor e dúvidas 

E falta espaço, e sobra ausência.


Mas aí o livro na mão 

A respiração, minha derradeira chance

Sempre na iminência, sempre Alice

Em busca desse país, terra da maravilha

E deixar então essa ilha, para alcançar o continente

Esse lugar que acolhe e compreende 

E mora dentro de mim.


A vida é agora

 



Percebo que ainda nem nasci

E lá fora: O sol quente e lindo da manhã 

As correntes do balanço,

gritinhos animados, ouço e imagino a diversão 

Imagino a grama, o pega ladrão, a leveza

O céu, os lugares todos do mundo

Pessoas em vida plena

A poesia em cena


E eu em trabalho de parto

Nem trabalho

Nem parto

Só mente

Me mente


E eu crédula, nem feto, nem gente

Dedinhos à borda do oceano, gelado?

Quente, mas no ensaio do mergulho

Não sei, entende?


Só queria ser, só queria estar presente

Alguém que vive, olha, sente 

Escreve a palavra pela lindeza, 

A poesia em correnteza

Perene e livre


Mas se sou ainda represa

Que prende, amarra a saída 

Controla e mente

para mim mesma

Preciso do fórceps

Alguém, por favor, o fórceps?


É urgente! Preciso nascer

Ser simplesmente. E estar no palco

Nos bastidores, na plateia

Estar todinha, consciente

Esquecer as ciladas da mente


Só verso, somente.


quarta-feira, 2 de julho de 2025

Fio do novelo

 



Entre “A caverna” de Platão e “Tocata e fuga” de Bach, sigo o fio do novelo, no encalço da minha essência, da arte, meu lugar no mundo, eu, unidade... Ainda que seja muito transparente para ser poema, muito hermética para ser romance, muito sonhadora para ser cinema. Enfim uma “outsider”, vinda de ilha longínqua, carregada de conceitos e respostas, ou seriam amarras? Como já dizia Nietzsche, convicções são cárceres.

Mas se ao despojar-me delas, o vazio? E assim solta no ar me invada tal possibilidade: Teria eu nascido póstuma, fadada ao gelo do tempo, pudores paralisantes, cheios de rigor e tão conflitantes com o fogo que me faz criar?

... Sou o que faço? Existente a partir da existência? Dona única e responsável por meus atos, num mundo de bilhões de donos únicos de seus atos? Afinal sou Sartre ou sou Platão? Preciso mesmo do caos? Dessa desordem que me oprime o peito, mas que me flui em palavras e inspirações?

Albinoni me entenderia... Wagner também, e não preciso dizer de Jung. Mas se agora é solitário andar por entre a gente porque somos parte de um todo, e tudo são espelhos, e queremos ser diferentes, muda-se então os cenários, contudo, repete-se os enredos, e ainda que se cruzem olhares com novos olhares, descobre-se os olhares de sempre?

Quanto profundo se tem que mergulhar na própria essência, para se alcançar a verdade do ser? Talvez faça parte da cura deixar doer. E mais uma vez morrer, e se necessário for, repetir os mesmos versos, os mesmos passos, as mesmas rimas, se for esse o preço do movimento que faz fluir e florescer.

Talvez tornar-me um cavaleiro errante, e lutar com moinhos ao som da nona de Beethoven, ou de uma minimalista contemporânea adorável, talvez aí eu a encontre, entre vitórias emocionadas e derrotas edificantes, ela, a verdade do meu ser.





segunda-feira, 23 de junho de 2025

Eu no mundo





Uma coisa é certa: 

não quero ser como vozes que rasgam a noite adormecida, 

verdadeiros bate estacas perturbando silêncios e liberdades. 

Não quero ser como vozes que vociferam murros em ponta de lança, 

desejando que o sangue que escorre das mãos feridas e os gemidos de dor, 

sejam atos de extrema bravura, brados por justiça. 

Não quero ser voz que intimida pretextando posicionamentos, 

que oprime pretextando direção, 

que mata em nome de uma causa.


Quero ser brisa em um jardim florido. 

Livre para libertar. 

Solta para voar. 

E poder sussurrar as palavras carregadas de significâncias, reflexões. 

Quero ser voz que em silêncio diga o que dói na alma 

e não precisa doer. 

E ainda no silêncio sugerir a paz. 

Assim, leve e sútil quero ser uma das bilhões de gotas que compõem o oceano, 

e quero dançar sobre as águas, 

e quero planar na imensidão. 

Quero compor meu próprio caminho, 

ainda que solitário, mas inspirador. 

E se no final da minha jornada eu tiver sido capaz de alcançar, 

ao menos um, 

capaz de inspirá-lo a também alçar seu próprio voo, 

terei a certeza de que tudo deu certo.


 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Um conto de ficção

 



Era uma vez…

Um povo amaldiçoado. Que nasceu para ser trincheira ou nasceu para matar. A liberdade para eles já não cabia em seu significado mais urgente. Uma gente que pouco se sabia feliz ou infeliz. Um deserto em tempestade de areia. 


As crianças nasciam velhas, os brinquedos eram quase sempre de guerra. Os homens, infantilizados, não cresciam. As mulheres choravam grande parte da vida. Lugar único, onde conflitos nasciam de fora para dentro. Tantas histórias contadas, tantas versões… E de repente mocinho e vilão se fundiam no mesmo ser, vítimas em profunda dor e fome, algozes destilando suas patologias.


Não havia respostas simples, soluções fáceis, liberdade possível, não as que se gostariam. Aprisionados no passado. As correntes arrastadas por milênios não podiam ser quebradas assim com uma filosofia vã, onde ideias absolutas desejassem se impor justificando a defesa de crenças absolutas. Era tirania em demasia. 


Determinado momento tudo foi se confundindo, e o que era só sobre a dor humana e seus espaços, desavenças de décadas, transformava-se agora, em armas de uma guerra psicológica, ideológica, como sempre, por poder. Um jogo de cartas marcadas. Um evento de reverberação mundial que arriscava consequência nefasta: e fazer emergir cenas pavorosas de perseguições que aconteceram lá atrás. Um capítulo que este mundo não deveria nunca mais querer revisitar. 


Enquanto isso…

Do outro lado do planeta, do ápice da montanha mais alta, descia o andarilho entre florestas e belas paisagens. Quase um dom Quixote não fosse ele um domador de sua própria consciência, em profunda sanidade, um homem invulgar e errante em busca de pisar novas terras, culturas e aventuras, assim, só de viver. 


Alcançada cidade grande, o homem percebeu-se caminhando em círculos, terras baixas mas de ar rarefeito, de um pesado respirar. Lavou o rosto na fonte de uma praça qualquer e percebeu que ventos bélicos o cegavam e confundiam. Agora de olhos despertos notou que por onde passava só via grandes multidões digladiando, puxavam de lá e de cá, palavras de ordem, violência verbal, às vezes física também. Farto da densidade que lhe oprimia o peito, decidiu colocar-se perigosamente no centro do cabo de guerra. 


Tentou mostrar que era preciso dissipar o ódio para poder novamente respirar, enxergar com clareza, então seguir novos e diferentes rumos. “É preciso ser a paz que se quer ver no mundo. A paz é também o silêncio que observa sem julgamentos, que aprende as duras lições ainda que às custas da ignorância de outrem. Mas produzir mais destruição é loucura, não percebem? Acordem!” Ele num misto de exaltação e desespero, foi massacrado. Entre chutes e socos restava ali, caído ao chão poeirento, sozinho. O equívoco era grande demais.


Um dia onde o sol brilhava quente e seco de produzir miragens no horizonte, e foi como numa aparição que ele sentiu algumas mãos que o ajudavam a se levantar. O grupo queria saber se estava bem. Foi aí que ele entendeu daquele mundo plural que tinha ouvido falar. Onde também havia sabedoria, amor, solidariedade, e pessoas que genuinamente torciam para que tudo ficasse bem, simplesmente guardando silêncios e vivendo suas melhores versões. 


Alguém então lhe disse: Fique tranquilo, qualquer momento é momento de renascer para o agora e despedir-se definitivamente do passado, abandonar o baralho de cartas para abraçar o mundo como fosse um abraço amoroso em nossas próprias mães. Esse é o caminho que leva até a paz e à liberdade. Um dia eles vão perceber.


Um tapinha amistoso nas costas, o grupo seguiu, o andarilho ainda ali, batia a poeira da roupa, juntava os cacarecos caídos da mochila, recolocava-a nas costas, se recompondo na alma, pensando naquilo que acabara de ouvir.