quinta-feira, 5 de junho de 2025

Bodas de Cristal

 

Diante do espelho sou assaltada pela lembrança do meu décimo quinto aniversário de casamento. Tempo ausente. A não ser por alguns flashes um pouco difusos quase se misturando ao branco da parede refletida atrás de mim. De perto, rosto quase colado em meu reflexo, observo algumas rugas, pés de galinha. Lençóis meio gastos.

 

Os cabelos sedosos. Agora me caem melhor curtos. Faz tão pouco que eram lindos, longos. Moisés falou deles uma única vez, encantado, à surdina dos ecos... Nunca esqueci do Moisés, 6 anos mais jovem do que eu, irmão do Marcelo. O final de semana na praia? Quanto tempo faz? Puxo pela memória. Tinha 25 anos de idade, distantes de me perder de vista.

 

Estávamos noivos Marcelo e eu, com data marcada para agosto. Sempre gostei do mês de agosto. Frio mais ameno sem perder beleza de inverno. As mulheres vestidas com mais sofisticação, sedução implícita nos belos cortes das saias semi longas, os casacos que realçam o brilho e balanço dos cabelos soltos ou presos em coque dando ar de sensualidade casual. Marcamos agosto. Exigência minha. Marcelo veio com um papo de “mês do cachorro louco”, “crendice estúpida” falei. Era coisa da avó dele. Igreja Nossa Senhora do Brasil, 15 de agosto. Única cerimônia do dia, uma quarta feira que seria eternizada nas doze badaladas do sino no alto da torre, anunciando a confirmação daquele compromisso. Fiz questão.

 

A casa da praia pertencia aos pais de Marcelo e Moisés. E foi por insistência da mãe deles que fomos passar nosso último final de semana de “solteiros”.  Sem sentido, já que o ato mais que consumado num sexo quase que diário.  A idéia de me afastar da correria é que seria muito bem-vinda.

 

O Moisés apareceu por lá. Com uma conversa de “altas ondas” jeitinho surfista o dele de falar. Diante do espelho agora fica ridículo em mim, repetir” altas ondas”, ridículo. Percebo minhas bochechas que já não assentam mais no lugar correto, pendem. Tento com os dedos colocá-las de volta. Polegar e indicador numa operação fracassada já na concepção da coisa. Para cima, torno-me oriental, para baixo, triste. Desisto. A culpa é do espelho, preciso de um menos cruel.

 

E por falar em cruel, me surgiu de rompante a primeira e última noite na casa da praia. Eu e Marcelo quase prontos para dormir, a porta do quarto entreaberta. Era Moisés camuflado pela noite, o nosso observador. Eu sabia, ainda que não pudesse vê-lo com nitidez. Fiquei calada. Não fechei a porta. Não fui atrás de satisfações. Fiquei calada. Troquei de roupa sentindo-me talvez mais bonita. Fantasia boba, mas que naquele momento fazia todo o sentido.

 

 E de não encontrar maciez no travesseiro, restei insone. Água pareceu-me a decisão acertada. Na escuridão da cozinha alcancei o copo, a geladeira, a água. A brisa noturna soprava-me pelo vão da porta que dava para o quintal, com delicadeza tamanha que não pude resistir. Abri. E ali quedei sentada, recostada ao batente, saboreando tão revigorante líquido. Contemplei o céu trespassado por milhares de pequenas estrelas. Estrelas jamais imaginadas, que a poluição da metrópole me negligenciava toda noite.

 

E foi no reflexo delas que vi Moisés atrás de mim. Sabia que era ele. Porque Moisés, eu pressentia, ou apenas fosse o desejo de tê-lo por perto. Sentou-se ao meu lado. De início enredados pelas sensações e pensamentos disturbadores de nosso silêncio interior, ficamos. Fui eu quem falou primeiro:

- Estava sem sono, vim pegar água, aproveitei tomar um ar. E você? Sem sono?

- Eu ouvi um barulho, achei melhor investigar.

- Desculpe. Não quis te acordar.

- Não se preocupe. Eu ainda estava acordado, Melissa.

E os latidos na vizinhança irrompiam, senhores da escuridão, no silêncio que mais uma vez afinávamos.

 

Eu estava decidida a travar nova luta com o travesseiro, ensaiei partir, Moisés me segurou pelo braço. Pediu que ficasse mais um pouco. Foi quando falou da maciez do meu cabelo que esvoaçara inocente, atingindo seu rosto de raspão.

 

E ali restamos, trocando experiências e risos que reprimíamos às vezes levando a mão à boca. Dado momento foi a minha mão que calou a boca dele. Um ar de seriedade e constrangimento veio de companhia ao silêncio reincidente. Minha mão na sua boca, estática como em fotografia, congelada para posteridade. E tive a impressão do beijo na palma. Será?

 

Saída do transe, e sem o mesmo vigor, minha mão descaía vagarosa. Me desculpei. Ele sorriu. Descobri que seu sorriso nascia no canto dos olhos. Fiquei encantada. Marcelo não sorria assim.  E foi só para fazer Moisés rir que passei a dizer tudo que me viesse à mente, tolices apenas. E seus olhos se riam com tanta alegria, espontâneos, sem culpa, quase pueris....

 

O espelho agora diz que os meus também não sorriem como os de Moisés. Tudo bem. Não é tão ruim assim. Sempre gostei do desenho dos meus olhos, como compõem minha feição. Ainda que produzindo caretas, não perdem delineamento... O Moisés, naquela noite, disse dos meus olhos. Galanteio encoberto, palavras quase ditas para dentro, não lembro ao certo.

 

Só do ruborizar adolescente. Pegou minha mão, sabia ler as linhas. Cigana que o tinha ensinado nas praias da indonésia. As mãos dele estavam suadas de leve sem perder textura, um arrepio me corria a espinha enquanto ele acariciava minha palma a fim de desvendar o destino, ali naqueles pequenos entalhes, da vida, do dinheiro, do amor. Me disse:

- Vejo na linha do amor, que pode cometer enganos irremediáveis.

- Mas que tipo de engano?

- Enganos. Apenas enganos.

 

Invadida por um sentimento que não pude definir, puxei a mão para lugar mais seguro, entre minhas pernas. E Moisés foi atrás dela, roçando-me as coxas pelo ato involuntário do resgate. Não quis mais aquela brincadeira. Começou então a contar de suas aventuras nas diferentes praias que conhecera pelo mundo. Falava e brincava com a ponta de meus cabelos, ora trançando-os ora alisando-os. Meus olhos piscavam demorados na esperança de prolongar a sensação que aquele toque produzia em mim.

 

Uma brisa mais fresca fez com que Moisés e eu aconchegássemos juntinhos. Ele tomou a iniciativa, passou o braço em volta do meu pescoço. Eu sentia seu hálito de quando em quando, que intensificava à medida que a brisa aumentava. Ele falava. Eu entontecia. Seus lábios tocavam os meus, ou não? Pensamentos desconexos. O efeito molhado produzido na boca inundava-me o corpo todo...

 

Nua diante do espelho tento agora reproduzir aquele beijo que nunca aconteceu. Sinto nos lábios a gelidez não apenas deste vidro, mas de uma existência. A indiferença deste amante sincero à crueldade. Figura morta refletindo a nudez envelhecida. Mais uma vez acho-me ridícula. Morta e ridícula. Num close vejo as pequeninas marcas que já fazem morada na testa, no queixo.

 

Achei que me beijava no queixo quando as luzes da cozinha acenderam. Era Marcelo. Ali parado, agudo, a esfregar os olhos com as pupilas ainda dilatadas da escuridão como buscando acordar de um sonho insistente. Abraçada a Moisés não me movia, porque talvez o sonho fosse meu que de olhos abertos precisasse reabri-los para acordar. Moisés, levantou-se tranquilo, deu boa noite, foi para o quarto. Marcelo assumiu seu lugar à porta, perguntou-me se estava com frio. Abraçados fomos dormir.

 

Casei-me no dia 15 de agosto com todas as badaladas de minha exigência. Moisés não compareceu à cerimônia. Ausência justificada com uma viagem de surfe. Nunca mais o vi. Marcelo nunca tocou no assunto. Nunca me beijou de verdade. Não como Moisés. Não sei quem amei, quem desejei. Fosse esse o grande engano como prenunciara a linha de minha mão? Pouca diferença faz agora.

 

Marcelo vive às noitadas, talvez exorcizando suas frustrações em outros lábios, talvez seis anos mais jovens que os meus.

 


terça-feira, 11 de março de 2025

Das memórias que não são minhas, a história que ficou em silêncio



Do projeto que venho ainda escrevendo e reescrevendo sobre a vida da minha avó e do meu pai. Talvez essa história não tivesse qualquer importância, não fosse minha avó, Zélia Gattai, alguém de destaque na história do Brasil e do mundo: na literatura assim como no cenário político mundial, testemunha de tantos acontecimentos, protagonista de sua própria história, além disso, esposa de um dos maiores escritores do Brasil, meu avô amado a mim dado pelas circunstâncias, Jorge Amado. 

A partir daí, esse meu pedaço de história se tornaria interessante para alguns, pela simples razão de que o que eu queria contar não estava nos livros da minha memorialista. Um cantinho da história, tão lindo quanto intenso, contudo cheio de delicadezas, inundado de escolhas difíceis e mal compreendidas, e portanto, cheio de feridas mal cicatrizadas em suas paredes, palavras não ditas, e tantos temores a respeito da opinião pública e seus vereditos. 

Memórias que não são minhas, entretanto era eu uma das herdeiras dessas emoções nunca elaboradas, dos silêncios ecoados nessas paredes em carne viva, da rigidez, do total constrangimento e inabilidade com as próprias emoções, do negligenciamento e represamento total da sensibilidade artística, para deixar emergir por tanto tempo uma persona à prova de balas não obstante problemática, inflexível, insegura, exigente e vitimada. 

Se me perguntassem assim: Mas, por que falar disso? Pela poesia e pela cura. Felizmente a cura me alcançou antes de terminar essa história. A chance de me reinventar, por isso sigo na busca do melhor ângulo dessa paisagem. Um dia a terei pronta, não tenho pressa. Trata-se de um movimento tão pessoal ao mesmo tempo cheio de universalidades. Carrego em mim esse dom ou essa maldição de sentir dores que não são minhas, portanto, como um escultor, trabalho nessa história que é única, cada detalhe, devagar, zelado, cada nuance. Quero que seja a arte narrada mais delicada, intensa e universal, assim como eu a sinto. 

Sendo assim nunca poderia deixar essa história cair em mãos erradas. Confesso que o audiovisual me decepciona muito. A gente vê muita superficialidade, muita falta de ética e princípios morais, no final é sempre sobre o monotemático e o clichê, e o quanto se lucra e se engaja fazendo mais do mesmo. É a manutenção do poder e manipulação sobre as massas se utilizando do inconsciente coletivo. Para mim, não dá, pelo menos não para minha história.

Falar sobre a vida da minha avó? Ela mesma, lindamente, contou tudo. Histórias já produzidas por bons profissionais, artistas como Carla Laudari, Luciana Borghi… Falar sobre o meu olhar? Somente eu posso fazê-lo.

sábado, 30 de dezembro de 2023

Um causo real





Trata-se de uma história real que melhor ficaria se fosse um causo. Uma ficção para os mais incrédulos, e verdade verdadeira para aqueles que sabem da vastidão desse universo e que dele nada não entendemos além dessa nossa mente falastrona que cria e descria a mando do tal do ego.


Então me embrulho de uma fala que não é muito minha natureza, mas que se apresenta agora despudorada e sem razão de ser, para contar do desacontecido. Assim: estava eu, que sou pessoa mergulhada nos segredos do cosmo, em plena meditação, na solidão do meu quarto, quando se deu a comunicação que a princípio desconfiei ser um engodo da mente, mas que logo se revelou algo além do mundo carnal já que era dia e eu nem com sono estava. Era ele, o meu avô morto lá no início do século XXI, escritor conhecido mundialmente, reconhecido por suas personagens inesquecíveis e incansáveis de guerra entre cravos e canelas, e que agora se revelava esse ser espiritual poderosíssimo à minha frente, que fazia jus ao nome: de armadura, montado no cavalo e junto dele um exército de meninos capitães. Vinham eles no formato de flecha, sendo meu avô a ponta, se aproximavam de mim. Eles estavam ali logo à beira da cama, ou fosse eu que tivesse sido transportada para algum lugar, que sim que não, eu me mantinha firme na coragem da situação.


Pois é, eu que sempre admirei sua literatura, mas que nunca naveguei nas águas cheias de misticismos e orixás que eram seu oceano particular, estava diante da verdade por detrás daquela sua última existência terrena. Entendi a força que ele carregou a vida toda, a força que tinha cada romance seu, claro que ele tinha nascido para brilhar, e espalhar seu conhecimento, aquela Bahia de todos os santos que o mundo precisava conhecer e respeitar. A sensação de estar diante dele era intensa.


Ele me explicou tudo. Do imbróglio dos nossos antepassados, desse embrulha e desembrulha onde nossas famílias foram se entremeando, de um amarrio complicado, de correntes que a gente ainda arrasta nessa existência. E tudo se aclarava, era a impressão de que eu inclusive já sabia daquilo só não tinha me dado conta. Ele me disse que eu já tinha sido perdoada por seu povo antepassado, do qual ele era o protetor, mas é que de pronto não compreendi aquelas palavras, aí me veio à mente uns desacontecimentos recentes nos meus tratamentos holísticos. "Ah tá!", eu pensei na sequência. Aí foi que a coisa fez sentido mesmo, e eu senti o abraço e o carinho daquela meninada, quanto amor por eles! 


A gente não tem ideia de que a família dessa vida não é por acaso, se soubesse talvez perdesse menos tempo se digladiando. Mesmo assim eu pedi perdão, também pude perdoar a minha ignorância e a dos outros que talvez não tenham ideia de como tudo sucede nesse universo. Também perdoei os meninos capitães que me perseguiram durante tempos, me aporrinharam o sono, me brotaram os maiores terrores na escuridão da noite. Eles disseram que tudo foi missão dada, não foi coisa natural. Disseram dos encarnados, mandantes, que de mim contaram tantas patranhas e maledicências que só quando eles sentiram de perto o amor e a luz que me derramava do coração é que eles enxergaram, de quem era a mentira. Contaram que lá voltaram para tirar as devidas satisfações, mas eu pedi que não. Não fizessem isso por que afinal a ignorância é dádiva, e dádiva isenta culpa, não carma, mas culpa. 


Foi quando meu avô tocou no ponto nevrálgico dessa nossa existência, ele me explicou da justiça universal, falou que dela eu era merecedora, todos são, para o bem ou para o mal. Disse ainda que essa justiça é determinada pela necessidade do equilíbrio do universo, mais ou menos assim: o peso do dia que faz o contrapeso que segura a noite. Uma gangorra mesmo, que não pode pender nem para cá nem para lá. Mas como o homem é tomado pela ignorância que anuvia a mente, angustia o peito e cega as vistas, ele insiste que pode fazer justiça com as próprias mãos. Que pode saber do justo e do injusto. Nada disso. Pobre de nós que vivemos dos engodos que escolhemos viver.


Aí foi a vez de falar da minha literatura. Assim: livre. Pois é, ele disse que eu era livre, de palavras livres e que as usasse sem receio. Que contasse as histórias que eu quisesse contar, mesmo dele, mesmo da vó. Disse que a vó me amava, mas disso eu já sabia porque ela, eu já tinha encontrado tantas vezes. Que soubesse, que dele, eu não tivesse dúvida da estima e do respeito. "Só não estou mais tempo ao seu lado porque ela precisa de mim." Da dita pessoa eu não digo o nome, não. Ele me pediu para amá-la, que meu amor poderia ajudá-la ainda que ela não soubesse, ainda que ela rejeitasse. Eu já amava mesmo. Nunca deixei de fazê-lo, simplesmente era mais forte do que eu, do que meu orgulho. Eu a amava só de amor, só de admirar seu talento, seu carisma, mas é que ela andava e anda doente da alma, e meu avô disse que dela, ele cuidará sempre até o último suspiro.


Ele disse para ter paciência que tudo se resolve porque lá já está, que eu não questionasse mais a justiça universal e parasse de vez de controlar as palavras da minha literatura, porque sem liberdade não existe literatura. Aí foi a minha vez de pedir para que ele me protegesse com sua força de guerreiro e com a força de seus orixás. Ele disse que já fazia isso, mas o milagre estava no meu passo, e que portanto eu vivesse mais de viver e menos de me lamentar. Me garantiu que se passasse a vida ensaiando não seria na morte minha estreia. Só fiquei calada, de ouvir cada verdade esbofeteando-me o rosto, o centro da testa gelado como o quê, o topo da cabeça de arrepio em arrepio, até que tudo se dissolveu como fosse ali uma fantasmagoria, e eu agora entendida de toda realidade mas sem saber por onde começar.


Se sim se não, foi assim que a coisa se sucedeu, voltei a mim lavada pelas lágrimas, querendo contar com provas o que me tinha sucedido, mas a feita era incerta, improvável, É por isso que trago fatos desnarrados que é para não cismar compromisso com quer que seja. 


segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

 

Erza Pearl


Uma coisa é certa. E triste. A dureza do chão me esvazia, me desampara. Na hostilidade, perco a mão, o rumo, já não sei criar. São esses ventos monotemáticos que bagunçam os meus cabelos, me impedem a visão. São essas músicas monocromáticas que apenas sacolejam e nada dizem, nada para mim. 

Nessa sensação alienígena sigo, estrangeira, em busca de iguais. E descubro que tudo tem um preço. Acontece que nos bolsos somente carrego esperança e boas palavras, moedas de troca, nunca as tive.

Sou crédula da arte que vem do universo e para ele retorna, em formatos diversos, todos encantadores. É que desse encanto que agora insiste, eu não canto, não acerto o passo, não vendo a alma. Por isso resto assim: penada 

Espero o momento de retornar, e poder pisar a dureza com os pés fincados nas nuvens que compõem a minha criação. Por isso, isso: acendo e apago como um vagalume, que sabe o que é ser um vagalume.



sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Exorcismo

 


Jaroslaw Jasnikowski


É desse jeito: Como tivessem me tirado algo de dentro, e colocado no lugar o que não identifico mais remexe, sinto. 

Um bicho, uma decepção, coisa assim: indescritível e insistente. Um vento quente mas que não esquenta. 

Um nada que toma espaço, rouba tempo, aporrinha. Aí leio poesia para poder dar nome ao bicho. "Vade retro Satana"!! 

Pratico meu latim, me pego de volta. Devolvo-me ao que era, agora melhorado, Corpo fechado. É vida que segue.


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

 

Andrew Atroshenko


Sob o céu violeta de estrelas, por um momento sou melodia, sou corpo, sou mar. A gravidade me mantém. Grand Jeté entrelacé, é o voo que liberta, me carrega de volta. Posé pas de bourrée glissade saut cheval e busco no infinito as mãos que me conduzem. Sou ar. Livre do peso da existência que se escolhe sem se escolher. Movimentos em harmonia, valsa, ondas que se desfazem gentis na areia. Sou inteira. Flutuo, giro, abraço. Tão sereno é o andar. Ah! Se eu pudesse só ser dança, se eu pudesse só ser mar! Mas sou as pegadas na areia que morrem e renascem a cada novo passo. O tempo não existe. Tudo é espaço. De olhos fechados o corpo se curva, suave se alonga, outra onda, e outra… no ritmo do vento, enquanto a música soprar e meu corpo me pertencer. Sou melodia, sou noite, sou dia, sou sina, sou parte de Deus.


quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Das incongruências

Michael Cheval 


Quando penso a paz mundial, me parece tão possível! Abdicar pelo outro, olhar nos olhos do outro e reconhecê-lo como ser humano, para unirem-se todos em prol de um mesmo ideal: a felicidade plena.


Já quando me perguntam sobre paz interior, aquela do espírito, eu logo me deixo num suspiro longo… Complexo demais, tão individual! É uma verdadeira batalha enredada: expulsar de dentro de você, o você, que não funciona.