domingo, 29 de julho de 2012

A morte e o renascimento


Picasso


A menina sabia. Sempre soube. A morte nada tinha de mórbida. Era apenas um instante. O instante do renascimento. Indolor, inodoro, necessário, revelador. Tantas vezes ela morrera durante a vida sem se dar conta. Renascia então diferente. Talvez melhor, talvez apenas diferente. E quando deparou-se com a própria imagem diante do espelho, quis cegar, quis fugir para então ficar, quis perguntar. Quis tanto. Contida, apenas admirou-se ali refletida. Olhos fixos nos olhos. Mergulho profundo, em busca de um sentido, de uma história, de sua essência. Olhos de menina, às vezes tão pequenina e desprotegida... Deles chegou a sentir compaixão, porque vagos ansiavam por outro olhar. Um outro que sobrepusesse àquele ali tão viciado. Outro que a embalasse em compreensão, desejou. Euforia passageira. Tudo não passara de imagem forjada pela mente, tão diferente da verdade, tão equivocada, como o medo da morte. Morte das dores antigas, dos erros do dia anterior, das palavras mal ditas, do anoitecer, do breu. Medo da vida. Porque a menina sabia, sempre soube que seu maior temor era da vida. Mistério que não ousaria desvendar e por isso compactuara com a morte todo o tempo. Todo este tempo, como o vento que soprara-lhe por entre os dedos das mãos. Menina displicente! Ralhava consigo mesma. Porque ela sempre soube correr sem sair do lugar, e exausta percebia que logo à sua frente estava tão distante, sempre distante. Abatimento. Então a mágica aconteceu. Sem explicação, sem razão alguma, apenas fosse esta a única saída. Como nas histórias de finais felizes, porque a menina sempre quis um final feliz que fosse somente seu. Quis tanto. Foi quando fechou os olhos, as mãos juntas oprimidas junto ao peito. Decidiu que a morte seria o último suspiro da noite, para que começasse a viver ao primeiro raio de luz. Era este o segredo que agora carregaria consigo sem contar à ninguém, nunca. Porque a menina sabia, sempre soube. Sorriso no olhar refletido, olhar diferente, agora estava finalmente diferente. Talvez livre. Talvez apenas diferente.

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