Anita Malfatti |
O encontro na escola foi casual. Tenho consciência tranquila. Otávio voltar para mim, era o destino que se fazia cumprir. Yolanda nada poderia fazer.
Minha camisola suja de sangue, joguei na cama, no lado que Otávio ocupava quando aqui dormia. Tenho consciência tranquila. Mas o que me tira de prumo em tudo isso, é essa falta de ritmo. Não tem cadência como as palavras no texto de Yolanda.
Se o leio nua, em frente ao espelho, é para decifrar entrelinhas. Sei que é dali que flui musicalidade. Yolanda é abusada, não tem pudores do erro. É vingativa, maliciosa. Talvez seja esse seu segredo.
Ela nunca escreve de amor. Ela nunca falou de amor com Otávio. Tantas vezes o ouvi reclamar de sua frieza, de sua ausência de espírito. Me dizia tudo, enquanto afagava seus cabelos castanhos, deitado ao meu lado.
Eu o amparava. Supria sua necessidade de amor. Depois líamos um conto do Guimarães. Como eu, Otávio gostava de sua linguagem regionalista e desconstruída falando do universal... E inebriados por Guimarães conversávamos até o amanhecer.
Mas a maldade e o despeito de Yolanda não ficam restritos aos textos, as palavras. Um belo dia, tirou Otávio de mim para sempre. Carregou minha única boa lembrança, o meu exemplar do Guimarães, e o trancou em sua preciosa biblioteca.
Resto nua, em frente ao espelho, lendo seus textos torpes e bem escritos. Não bastasse isso, descubro que ela tem mais ritmo do que eu, mais vida do que eu, quiçá um corpo mais bonito do que o meu.
E se agora eu perguntasse ao espelho, seria eu a madrasta má e ela a doce princesa?! Isso seria ridículo. Seria pequeno. Seria injusto.
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