Torre de Babel |
E arriscar-se
seja como o risco que se faz no papel em branco no escuro, nem tão cego assim.
E o risco que se corre por não saber se o risco do lápis que atravessa o papel,
está onde deveria estar, seja uma questão de referência, uma questão de se
atender às demandas pré definidas: do que se deve ser, do que se quer poder, do
que é certo ter, do que é errado querer... Do que esperam de ti.
A vantagem das
crianças é a despretensão com a vida, o descompromisso com o erro (embora
algumas já afetadas pelos temores maternos e paternos ainda no berço não sejam
assim, infelizmente). É a capacidade do tal “um dia de cada vez”. E arriscar-se,
para elas, passa ser a simples falta da compreensão dos significados porque
vivem dos significantes, do que dá o sentido.
E seja o excesso
dessas compreensões que se adquire ao longo do tempo, faça com que as coisas
se compliquem. Se por um lado, adultos pensantes necessariamente precisam
do entendimento para que possam evoluir em tantos aspectos, por outro,
aprisiona.
E arriscar-se
seja a medida exata do quanto se caminha com os pés no chão ou nas nuvens. O
quanto se vive de realidade, ou de ilusão. E aí corre-se o risco dos enovelados
filosóficos: afinal de contas o que é a realidade? Se partir do princípio que
todos são iguais enquanto espécie humana, são tão diversos na essência. O que é
imprescindível pra ti talvez não seja pra mim, e a felicidade pra ti talvez não
venha na mesma embalagem que pra mim...E por aí se vai, abrindo milhares de
parênteses, colocando uma série de virgulas, dando volta nas palavras para se
chegar a conclusão de que tudo depende.
Histórias de
vidas alheias, são boas histórias alheias, possam elas até despertar alguma
coragem, mas apenas isto? Porque afinal de contas historias podem se repetir!
Mas aí pensar que seres humanos são perfeitos repetidores de modelos
familiares, próprios e de outros desconhecidos; os mesmos temores, desejos, a
mesma busca: o sucesso, o olhar, reconhecimento, amparo. Seres que são espelhos, uns para os outros,
refletindo imagens nem sempre reais, nem sempre fiéis, e aí corre-se o risco da
sensação de estagnação, dos sentimentos pouco construtivos, de não sentir vida
correndo nas veias.
E arriscar-se
seja exatamente a quebra dos modelos pré concebidos, a conquista da liberdade,
aquela, a verdadeira, a que desamarra sem exigir nada em troca.
E arriscar-se
seja o não se importar com o resultado, e sim com as escolhas, a
autossuficiência delas, e depois adquirir condição de se conviver com as consequências.
A simples lei da ação e reação, talvez colocada de forma menos opressora.
E arriscar-se
seja descobrir um mundo de possibilidades e não apenas um salto no tal escuro
do papel, talvez um voo livre ao encontro do destino. Porque ele sempre estará
lá. Não há escapatória! E seja esta a melhor e mais legítima defesa para os que
se arriscam, o que justifica, saber que ele, o destino, dará um jeito em tudo,
eximindo o consciente arriscador de qualquer arrependimento.
E arriscar-se
seja livrar-se das culpas, dos medos, porque o medo de arriscar possa ser apenas o medo de se perder o medo: medo de viver, de ser
feliz. Afinal ele, o medo, estranhamente conforta, oferece chão supostamente
seguro para se pisar, retém, restringe, assegura.
E arriscar-se
seja dar-se conta da dureza deste chão, ter a certeza de que depois da queda nesta concretude, não se pode ir além. Impossível
cair da queda, ultrapassar o chão. A partir daí, o risco deixa de ser risco para
tornar-se linha, torna-se passo. E todo o resto seja uma questão de ponto de
vista.
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