sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Nona (9º)


Matisse


Foi de súbito. Susto quase premeditado. A menina estendeu os braços no ar. As mãos cerradas, então abriu.
Foi num gesto grandioso. Impulso quase libertador. Seja feliz! A menina dizia para si. No silêncio entre as notas de Beethoven. Seja feliz! Ela dizia. Fortíssimo.
Nas mãos vazias, a melodia. Constatação. Indemarcadas na paisagem, mãos soltas assim no ar, pareciam menores do que costume, talvez mais tolas.
Foi num suspiro. Coragem quase opressora. Os pés juntos plantados no chão. A menina queria ser grande, mas ali permaneceu, inexistida. A menina queria ser livre. Caminho do qual não poderia retornar.
Foi num momento de iluminação. Força quase complacente. A menina questionou, e mais de uma vez questionou. O mesmo semblante. A mesma busca. Outras notas.
Olhou ao seu redor para se dar conta do presente. Malas feitas. Resignação. A menina adormeceu. Finalmente adormeceu.

domingo, 5 de agosto de 2012

O nada

Claude Monet



À beira do penhasco, a menina admira o nada. A cabeça abandonada sobre os joelhos, levemente inclinada para cima. Pensamento ausente. E na possibilidade da queda, suas mãos estão úmidas. O peito abalado é inquietude da alma que não pode parar. A menina está farta, mas sabe que não pode parar. Voa alto. Além dos limites do horizonte. Distâncias inimagináveis. Angústia, velha conhecida, agora a acompanha. E inesperado o peso torna-se insuportável. Fardo. Mais uma vez na iminência da queda. Deixar-se cair, seria cair para sempre. Não haverá chão que a ampare em pedaços. Talvez por isso a menina reste ali, admirando o nada com o sol de fundo entre as montanhas, a lua mal apagada, a brisa quase cantiga. A mesma busca. O mesmo desejo. E quando o tempo se esgota, a menina apenas finge que está tudo bem. Ela diz para si, tudo bem.