quarta-feira, 13 de junho de 2012

Amor à moda antiga


Portinari


Lili morreu. Dor pungente. Mal necessário. Não quis velório. Detesto velório. O último foi o de mamãe, me obrigaram a ir. Eu tinha somente oito. Ela, somente trinta e três. Muito nova para morrer.  Seu semblante pálido, imóvel, amargo. Era amargura por me deixar para trás.

E no ápice de minha dor por Lili, questionei aquele sonho. Na época, eu tinha somente dez. Era noite de tempestade típica do verão. Lembro-me bem porque até o lençol me fervia os pés. E eu sonhei com aquela menina vindo ao meu encontro. Não sabia onde estavávamos, sabia apenas do olhar azulado, lindo! Seu nome Lili. Ela me dizia ao pé do ouvido, um dia vamos nos casar! Suas palavras entranhadas em meus sentidos, irreversíveis. E a brisa quente de seu sussurro, a gota de saliva que lhe escapava pelos lábios respigada em meu pescoço, a ponta de seu nariz roçando leve minha orelha aguçava-me desejo. Apaixonado, acordei.

Eu, somente vinte. Começo de tarde. Aqui na esquina da minha rua ela me pedia informação. Tinha ensaio de teatro na casa da Fernanda. A Fernanda morava no meu prédio. Coincidência, destino. E o nome dela, da moça que pedia informação, Lili. O olhos não eram azuis. E sim castanhos, mas a gota de saliva...Era ela. Tinha de ser. Ficamos amigos. Saímos eu, Lili e o grupo de teatro. Explicaram-me que preferiam os autores pós modernos, de pensamentos controversos, fragmentados, intensos de sentimentos, problemáticos. Sem aquele papo clichê, sem aquele amor clichê.

Eu me declarei para Lili. Mais shakespeariano impossível. Namoramos. Eu, somente vinte e um. Ela talvez por pena, já nem sei. Eu amava Lili desde os dez. Romanticamente antiquado. Fiz amor com Lili. Mas acho que ela preferia um sexo pós moderno. Tentei ser um pouco mais Jorge Amado, as coisas só pioraram. Perdi naturalidade. Perdi Lili. Que nunca foi minha de verdade. Eu, somente vinte e quatro. Ela foi embora com o Alfredo. Um amigo do teatro, um tipo pós moderno. Foi aí que Lili morreu. Morreu dentro de mim. Supressão. O Joca me disse, esquece esse maldito sonho, sonha outro no lugar. Me Falou de uma amiga, tal de Matilde. Tive esperança de que ela se chamasse Lili.

Ainda procurei Lili em alguns rostos. Dei de cara com Matilde, por insistência do Joca. Mulata de olhos azuis, me chamo Matilde. Fiquei impressionado. Quis dar um de pós moderno. A Matilde queria amor à moda antiga.

Eu, somente vinte e seis. Ela me pediu em namoro. Eu, perdido, aturdido, distraído, já nem sabia como agir. Lili e sua gota de saliva, seu hálito quente, seus amores, seus autores, seus vapores de pós moderna me roubaram o repertório, confundiram-me. Mas a doce Matilde, docemente mulata, azulada no olhar, sussurrou-me ao pé do ouvido, um dia vamos nos casar! A noite quente anunciava tempestade típica do verão.







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