quarta-feira, 21 de julho de 2021

O Romance

 

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Sinópse

Uma relação obsessiva. Um triângulo amoroso. O verdadeiro amor. O amor pela liberdade... A carta a ser entregue pessoalmente à Yolanda, marcará o tão aguardado e ao mesmo tempo temido embate entre as amigas. Nada mais poderá mudar o destino fadado de Antonella.

Segunda-feira de madrugada,1986, Antonella invade sorrateiramente a biblioteca de Yolanda em busca de um livro que deseja recuperar. As duas são vizinhas desde a infância e a proximidade das famílias obrigou-as à convivência, fazendo surgir um vínculo afetivo parecido ao de duas irmãs. Antonella, apenas dois anos mais nova do que Yolanda, ganhou Primeiras histórias, de Guimarães Rosa, no seu aniversário de 30 anos, em 1962, como presente de Otávio. Esse é o livro que marca definitivamente a relação doentia entre Antonella, Yolanda e Otávio... Mas tudo não passa de uma cilada, as capas trocadas dos livros, e o que Antonella tem nas mãos é apenas o diário infame de Yolanda, cheio de provocações e revelações.

Esse é o gatilho que dispara na mente ora exata ora confusa de Antonella, a sede de vingança, e conseguir de volta tudo que dela foi roubado por toda a vida, agora é questão de honra. Ela está doente e de repente a sensação da finitude a invade e ela mergulha em reminiscências. Somos levados então através dos cômodos da casa cheia de lembranças, e para o passado acronológico, tendo como pano de fundo a história política e social do Brasil e do mundo, que vai dos anos 30 até 1986. É nesse contexto que conheceremos a historia de imigrantes anarquistas italianos e espanhóis, fugidos do fascismo. Histórias de judeus fugidos do nazismo, e a luta de todos eles pela liberdade. Porém é Antonella a única refém: de seus fantasmas. Ela nos levará através de sua crescente insanidade a um jogo de verdades, versões e verdades inventadas rumo a um final que nos deixará nada menos do que perplexos.

domingo, 10 de novembro de 2019

Conversa com Deus




Michel Cheval - Surrealismo e o absurdo


...e ele, sentado no banquinho empoeirado, na beira da estrada. Vendia bananas na carroça de boi improvisada de banca. No horizonte só se via azul e paisagem, borrada de uma névoa que perdurava mesmo no meio dia. E foi de calor que ele tirou o chapéu de palha e começou a se abanar. Do nada, de uma brisa boba, foi que ouviu alguém dizer seu nome, e ele soube que era Deus, olhou pra cima e respondeu:

- É o senhor, Deus? Eu carrego cá comigo essa certeza de ser o senhor, disse outro dia uma moça de muita sabedoria que Deus passava justo por aqui de quando em quando. Pois saiba que é com o senhor que eu falo e rezo: não se apegue às minhas palavras sem feitura, mas o que digo é do meu mais sincero sentir...

Brisa boa veio de encontro e bastou para satisfazer o menino envelhecido por dentro, e lhe dar a certeza de que Deus o ouvia:

- É que eu preciso desse entendimento, o do seu pretender, digo, o porquê desse povo todo vivendo no sofrimento da alma. Explico: é que pras bandas de cá a guerra come solta, gente que era de bem, armada até os dentes, armada de uma fala preta pesada, feia mesmo... Gente que se engalfinha com gente... e de ódio em ódio vão se matando, na alma, no sentir, que era o mais puro, nem o laço, o do sangue dado pelo senhor, é motivo de apaziguamento e compreensão. E sabe o que mais aflige o meu pensar? Depois de uma batalha, ninguém tá feliz, ninguém sabe da felicidade. E a gente, que fica só de vigiar os corações, vê assim: tudo apertado, de dor, de culpa ou do tal orgulho ferido...  Eu tenho pra mim que o inventor do orgulho é o capeta, coisa feita mesmo, e é pra instigar que depois ele sopra no nosso ouvido essa história de que o outro possa ser de mais valor perante o Senhor, que a gente, aí sabe como é, sobe feito foguete o arrepio que amolece a espinha e não tem mais pensar ou (des)pensar que segure o sangue que cega as vistas... Aliás é de não querer ver mais tanta aflição que elas me têm falhado, será senhor Deus? E se for ele? O capeta? O moço das marionetes! Dizem as más línguas que o capeta é homem de voz forte, como fosse a melodia encantadora de serpentes, sabe contar boas histórias, tem jeito de sedução e de consumir o nosso sincero querer faz a gente querer outra coisa, a coisa que ele quer. Mas e o que ele quer? O senhor Deus pode perguntar. Respondo: eu amigo do senhor que sou, de sobreaviso lhe deixo, ele quer o seu lugar! Dizem que ele é da feitiçaria: dessa que faz a gente repetir o sinal da cruz seguido, três vezes, que é pra dá proteção e tirar a imagem do pensamento. Ouvi que ele mente a verdade e (des)conta o conto tudo de novo se for do benefício dele.  E aí eu é que fico aqui só de perguntar: e o que será dessa terra de gente que no entardecer da vida queria mesmo é ter encontrado a felicidade, como vai ser morrer sem ter vivido, ou ter vivido assim, displicente das coisas mais importantes? Explica pra mim senhor Deus?

Dessa vez não havia brisa, em vez disso parou um carro, o motorista queria saber das bananas, comprou meia dúzia, antes de arrancar disse:

-  Ô moleque, o tempo está mudando, acho que vem tempestade por aí, melhor se abrigar

O menino olhou pro céu, achou melhor seguir o conselho do moço, porque o azul já acinzentava mais rápido que o normal, recolheu a mercadoria arrumando cada cacho com muito zelo que era pra não danificar as bananas, ainda pensou no cheiro da torta que a mãe faria para aproveitar o que não tinha sido vendido, sentou-se então na carroça, olhou mais uma vez pro céu e disse:

- É senhor Deus, nossa prosa não é terminada não, desses mistérios que o senhor escondeu entre o céu e a terra,  eu quero ouvir e vou pia jurado: guardo seu segredo, vou ser aprendiz do bem viver, da sua poesia. Agora a água chega, de vento em vento, lava a terra , mas amanhã o sol há de brilhar lá na quina da montanha, aí fica tudo sequinho, o mato verde, o céu azul. Eu vou estar por aqui e quando a brisa bater vou saber que é o senhor.

E transformada a paisagem em noite, ainda de dia,  o menino na carroça de boi  seguia, tranquilo, já quase desaparecia no encontro da terra com o horizonte.

domingo, 3 de abril de 2016

Sonho





Sonho. O mar é bravio. Silêncio. O meu silêncio. Sou expectadora das ondas que batem nas pedras. Debatem-se. Sinto a dor do mar. Sinto amor. Amo além do amor. Insisto nas pedras porque agora sou mar, sou revolução, quero vencer a arrebentação que me desassossega, que me retém. E me entregar a este amor, tão enlouquecida tão imperfeita... livre. E jogada contra minhas pedras para atingir alto mar. Flutuo no ar. Não toco a água. Sinto-a. Vivo-a. E neste não saber, quero. Neste não poder, amo alguém que não está lá. Uma ausência. Respiro  o sonhar, caminho o amor, mergulho para nos alcançar. Sonho.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Mensagem na garrafa

The Tempest(Shakespeare)

Aos cuidados de um desavisado.…

"Por favor, não venha depois que meus sonhos amanhecerem, seus olhos anoitecerem e assim no escuro eu não veja mais o seu rosto. Não apareça depois que a vida tiver mudado de cor. Não espere que a bonança vença a tempestade sem alguma luta, porque mágica não existe, as fadas que poderiam dar conta de tal proeza já estão fadadas ao faz de conta.
Os príncipes estão fora de moda, sim eu sei, somente nos sonhos podem perpetuar, nos meus. Mas quando eles amanhecerem, será tarde demais."

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O Indizível


Picasso




Hoje acordei assim. Visão nublada.
Olhos de um estranho. Mente calada
E o coração querendo
como criança mimada
que quer porque quer
E eu não posso fazer nada.

Hoje acordei assim. Sendo.
Uma personagem de um conto que não é meu.
Uma mulher que não cresceu.
Perdida. Vagando menina.
Na terra encantada.
E eu não posso fazer nada.

Hoje acordei assim. Saudosa do que não tenho.
Da praia nunca visitada
Do mar que não mergulhei
Olhos azuis cristal que me envolveram na madrugada
E dissolveram na areia dos castelos que construí.
Não sobrou nada.

Hoje acordei assim. Decidida.
E dizer o que palavras não podem definir
Então inventá-las para significar
O que eu sinto e não posso sentir
Ou porque a palavra seja tão errada
Ou porque eu não sinta mais nada

Hoje acordei assim. Talvez nem esteja acordada
Querendo uma nota para minha canção de "amar".
Mas se eu nem mesmo sei cantar?!
Mas se é tudo ilusão?!
E é proibido o verbo em questão
Eu não posso fazer mais nada.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Teoria sobre o amor desacontecido

Romeu e Julieta (Theodore)


E se o amor desacontecer será como a morte do que nunca nasceu. Capítulos em branco de uma história começada pelo fim. E o que se haverá de dizer já que nem as linhas tortas do destino foram escritas pelo Deus correto?
E se o amor desacontecer será por causa de Deus. Que distraído das coisas mais importantes perdeu-se nas entrelinhas. Se dará, então, conta de nunca ter sido Deus. Onipotência, onisciência, onipresença. Estupidez. E desapegar-se do tempo torna-se lapso. A vida, hiato. A morte, incerta. Porque não se pode controlar o amor. Se sublime ou não, se escrito nas estrelas, no papel, nos lençóis, no coração for a questão, quem há de dizer? Shakespeare?
E se o amor desacontecer será por causa da loucura. Futuro que persegue o passado em busca dos sentimentos que preencham as tais páginas em branco. A história que chega ao clímax, momento mais aguardado, guardado no próximo parágrafo, no verso da folha, quando o mocinho/bandido diz (eu te amo) à sua eleita enquanto a ama em desespero. Mas isso são apenas elucubrações do futuro que descuidou-se do presente, assim ausente, assim insano, porque simplesmente não existe.
E se o amor desacontecer será por causa do presente. Que sem passado é apenas expectador desse fogo que arde sem se ver, incendeia, vira pó. Vive-se então das sensações do não dito. E o que antes era dom,  torna-se maldição. O desejo de revelar o não dito, maldito desejo de viver entregadamente o que não foi escrito. E tudo recomeça como um círculo vicioso. Uma dor, um vício, uma doença, seja herança de vidas passadas, algo do qual não pode livrar-se assim sem punição e que se alimenta das cinzas, das expectativas, do próximo capítulo em branco. Medo.
E se o amor desacontecer será por causa do medo. Porque o amor torna-se palavra, o coração, um pensador. Calado. Enclausurado pelo medo. Subterrâneo empoeirado refúgio da alma. Alma tola e gentil que não pretende partir, mas que prefere o encobrimento das sombras. Alma tola e gentil que já não pode se esconder tão conhecida e antiga que é.  Alma tola e gentil que nada sabe da liberdade.
E se o amor desacontecer, será mentira. E se o amor desacontecer será tragédia, porque o tempo não há de esperar. E se o amor desacontecer depois de tudo, será apenas assim, imperdoável para toda a eternidade.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Criador e criatura: A breve história de um olhar. De olhos bem fechados


Degas



Toda história precisa de um começo, meio e fim. Era assim que ele entendia sua criação. E seja este, o meio de algo que teve seu início lá trás, no lapso de uma inspiração despretensiosa, assim, quase que por descuido. Dessas coisas que acontecem sem explicação alguma.
Garoa fria, brisa fina. Na vista distante, as águas ouvidas em ritmados instantes a debruçarem-se nas areias da praia solitária. Era este o tom em consonância com a melodia triste: três cordas e um piano na sala vazia que transbordava melancolia por todos os poros e o acolhia, recostado à poltrona, no centro de si, no âmago do mundo, logo ali. Dentro.
Um clássico. Um compositor contemporâneo. Notas que se transmutavam e o transportavam e se misturavam canonicamente à explosão das ondas lá fora. Ele, permanecia de olhos fechados e em sua escuridão particular era possível compreender-se, entregar-se ao tal sentimento que antes não fora capaz de definir.
Movimentos que nasciam desta descoberta. Espaços preenchidos em tempos de oito. Corpos significando gestos alongados na busca da iluminação, em seguida contorcidos e arredondados como quem tentasse resguardar a alma de ferimento mortal.
A história de uma dor, talvez a saga de um amor, impossível, porque somente os amores impossíveis são eternos... E no palco a música ganha corpo, corpos ganham musicalidade, rastros de poesia, romântica intensidade.
Nos pensamentos dele, a dança ganha história, a história ganha vida: três bailarinos, três bailarinas, passos, porté, renversé, brisé... ele tem o ímpeto de juntar-se ao espetáculo, mas continua a residir em sua mente, resignado à sua última arte, sua inspiração criativa. E os movimentos seguem, intercalando-se entre homens e mulheres, chegam ao ápice, envolvidos e conscientes da paixão que se desnuda através dos olhares e das mãos, que se desenham e acariciam e traduzem palavras e juras silenciosas.
E como toda historia que chega ao seu final. E como todo amor que mata. A música soa seus acordes derradeiros, os bailarinos alçam o último voo, o último entrelaçar de corpos, o fim. Um amor, que por amor morre enfim, assim eterno como deve ser.
Uma única lágrima para expressar toda a carga dessa emoção. Os desejados aplausos. O vazio, então. E ele, ainda no impulso do último ato, impregnado pelos resquícios do que nasceu, contudo, terminado morreu, para viver, agora de olhos abertos admira a paisagem quase noturna, quase Chopin. Da varanda deixa-se invadir pela brisa fina, a garoa mais intensa ainda fria, as ondas cadenciadas e monótonas que incansáveis explodem nas areias da praia solitária. Agora é real. Criador e criatura.