Do projeto que venho ainda escrevendo e reescrevendo sobre a vida da minha avó e
do meu pai. Talvez essa história não tivesse qualquer importância, não fosse
minha avó, Zélia Gattai, alguém de destaque na história do Brasil e do mundo: na
literatura assim como no cenário político mundial, testemunha de tantos
acontecimentos, protagonista de sua própria história, além disso, esposa de um
dos maiores escritores do Brasil, meu avô amado a mim dado pelas circunstâncias,
Jorge Amado.
A partir daí, esse meu pedaço de história se tornaria interessante
para alguns, pela simples razão de que o que eu queria contar não estava nos
livros da minha memorialista. Um cantinho da história, tão lindo quanto intenso,
contudo cheio de delicadezas, inundado de escolhas difíceis e mal compreendidas,
e portanto, cheio de feridas mal cicatrizadas em suas paredes, palavras não
ditas, e tantos temores a respeito da opinião pública e seus vereditos.
Memórias
que não são minhas, entretanto era eu uma das herdeiras dessas emoções nunca
elaboradas, dos silêncios ecoados nessas paredes em carne viva, da rigidez, do
total constrangimento e inabilidade com as próprias emoções, do negligenciamento
e represamento total da sensibilidade artística, para deixar emergir por tanto
tempo uma persona à prova de balas não obstante problemática, inflexível,
insegura, exigente e vitimada.
Se me perguntassem assim: Mas, por que falar
disso? Pela poesia e pela cura. Felizmente a cura me alcançou antes de terminar
essa história. A chance de me reinventar, por isso sigo na busca do melhor
ângulo dessa paisagem. Um dia a terei pronta, não tenho pressa. Trata-se de um
movimento tão pessoal ao mesmo tempo cheio de universalidades. Carrego em mim
esse dom ou essa maldição de sentir dores que não são minhas, portanto, como um
escultor, trabalho nessa história que é única, cada detalhe, devagar, zelado,
cada nuance. Quero que seja a arte narrada mais delicada, intensa e universal,
assim como eu a sinto.
Sendo assim nunca poderia deixar essa história cair em
mãos erradas. Confesso que o audiovisual me decepciona muito. A gente vê muita
superficialidade, muita falta de ética e princípios morais, no final é sempre
sobre o monotemático e o clichê, e o quanto se lucra e se engaja fazendo mais do
mesmo. É a manutenção do poder e manipulação sobre as massas se utilizando do
inconsciente coletivo. Para mim, não dá, pelo menos não para minha história.
Falar sobre a vida da minha avó? Ela mesma, lindamente,
contou tudo. Histórias já produzidas por bons profissionais, artistas como Carla
Laudari, Luciana Borghi… Falar sobre o meu olhar? Somente eu posso fazê-lo.